BOMBEIRO
“O Gaúcho”):
”Partiu o Canho como bombeiro. Assim chamam na campanha as vedetas
destacadas que precedem os corpos militares, explorando o campo, e dando aviso
da aproximação de qualquer partida suspeita. A etimologia dessa palavra,
desconhecida na língua com semelhante significação, nenhum sábio por certo a
aventará. No estilo pitoresco do gaúcho, o bombeiro é o peão que surge de
repente, para não dizer que estoura como uma bomba, do meio da macega, e desaparece
logo”.
OURO (“Sonhos D’Ouro”):
“Os etimologistas, gente que profetiza o passado e inventa o esquecido, dizem que ouro, palavra de origem egípcia, significou primitivamente a luz, o sol, passando a designar o metal precioso por analogia. Se assim foi, como me parece racional, Guida personificava o ouro segundo a delicada comparação da poesia oriental; era o sol esplêndido da fortuna; era a réstia de luz coalhada em barra, o prisma bancário, o raio amoedado”.
“Os etimologistas, gente que profetiza o passado e inventa o esquecido, dizem que ouro, palavra de origem egípcia, significou primitivamente a luz, o sol, passando a designar o metal precioso por analogia. Se assim foi, como me parece racional, Guida personificava o ouro segundo a delicada comparação da poesia oriental; era o sol esplêndido da fortuna; era a réstia de luz coalhada em barra, o prisma bancário, o raio amoedado”.
DILETANTE ETC. (“Ao Correr da Pena”):
”Um espírito observador, recorrendo a certos dados estatísticos, conseguiu
também descobrir que o homem mais útil desta corte é o dilettante. Cumpre-me,
porém, notar que, quando falamos em dilettante, não compreendemos o
homem apaixonado de música, que prefere ouvir uma cantora, sem por isso doestar
a outra. Dilettante é um sujeito que não tem nenhuma destas condições,
que vê a cantora, mas não ouve a música que ela canta; que grita bravo
justamente quando a prima-dona desafina, e dá palmas quando todos estão atentos
para ouvir uma bela nota.
São muito capazes de
levantar alguma questão gramatical sobre a minha definição, tachando-a de
paradoxo, ou demonstrando por meio da etimologia da palavra que estou em erro. Mas isto pouco
abalo me dá; os gramáticos que discutam, fazem o seu ofício, contanto que não
se arvorem em alfaiates ou comecem atalhar carapuças.
Voltando, porém, a nossas
observações, é fato provado que o dilettante é o homem que mais concorre
para a utilidade pública. Em primeiro lugar, o extraordinário consumo que ele
faz de flores não pode deixar de dar grande desenvolvimento à horticultura, e
de auxiliar a fundação de um estabelecimento deste gênero, como já se tentou
infrutiferamente nesta corte antes do dilettantismo ter chegado ao seu
apogeu”.
POLÍTICA (“Ao Correr da Pena”):
“Falemos de política.
É um tema muito delicado,
sobretudo na época atual.
Mas o que é política?
Se a etimologia não mente,
é a ciência do governo da cidade.
Pode ser que esta
definição não lhes agrade; mas isto pouco me embaraça. Estou expondo um novo
sistema social; é natural que me aparte das opiniões geralmente admitidas.
Continuemos.
A política é o governo da
cidade. A cidade se compõe de freguesias, de ruas, de casa, de famílias e de
indivíduos, assim como a nação de províncias e municípios.
Já se vê, pois, que a
política deve ser também a ciência de bem governar a casa ou a família, e de
promover os interesses dos indivíduos”.
ROFADO
(“Diva”): “Não sei por que não mencionam os dicionários o verbo rofar, do latim rufo, quando dão
os nomes respectivos, rofo, prega,
e rofo, rugado. Esse verbo
foi admitido no composto arrufar com uma ortografia mais semelhante à
etimologia. Prefiro rofar, para distinguir de rufar: tocar ruflas no tambor.
GÁRCEO –
Não é o adjetivo garço ou zarco, que significa azul esbranquiçado; mas o derivado de garça, como róseo foi derivado de rosa.
GARRULAR –
Da propriedade que tem nossa língua de criar novos verbos já falou com muito
critério o autor do Gênio da língua portuguesa. Facilmente se adapta uma
desinência verbal a qualquer nome, verbo. É o que se fez ao adjetivo gárrulo,
criando-se assim o verbo para suprir a falta que nos faz o radical latino garrio,
que bem se podia traduzir garrir.
De resto garrular tem procedência igual à de
escapulir, que provém de escapulo em
primeiro grau e de escapar em
segundo.
ELANCE ETC.
É bem possível que algum leitor
enxergasse nessa palavra uma tradução ridícula e extravagante do vocábulo
francês élan, e se horrorizasse do galicismo.
Mas espero que repare tal
injustiça cometida contra o inocente autor.
A língua latina tem a
palavra lancea, lança, da qual derivaram as seguintes: lanceo, meter
a lança; lancisco, ferir com a lança.
Passaram essas palavras
com pequena modificação para a língua portuguesa, a qual, pela propriedade que
tem de criar substantivos verbais, de lançar tirou logo lançamento,
como de defender, mover, conceber, aparecer, derivou defendimento,
movimento,, concebimento, aparecimento, e muitos outros desconhecidos no
latim.
Outra propriedade preciosa
da nossa língua é comunicar ao nome a idéia de atividade ou passividade da ação
verbal por meio de certas desinências em que ela é muito rica. Assim essa
desinência em ento, talvez corrupção do gerúndio latino agendus,
exprime um movimento sucessivo, ainda não acabado. Exemplo: revolvimento.
A desinência em ão, de actio, indica o movimento rápido e
consumado. Exemplo: revolução. A essas duas desinências ativas
correspondem outras duas passivas, em ado ou ada, ido ou ida,
de actus, que significa o objeto que já sofreu o movimento do verbo.
Exemplo: mandado. A outra é uma desinência irregular, ou antes não é
desinência, mas ausência dela, e contração dos nomes em ento para
designar o movimento passivo, ou o efeito do anterior movimento, como mando,
que é o
efeito de mandar.
Sobre
estas desinências pode-se ver a obra já citada, Gênio da língua portuguesa,
a qual contudo não é completa.
Nada mais natural, em
vista do expendido, que a língua portuguesa tendo criado o nome verbal lançamento
o apassivasse por contração e fizesse lance para exprimir o efeito
do movimento do verbo, como o outro exprimia esse mesmo movimento continuado.
Igual operação ideológica houve na palavra realce, engaste, encaixe, disfarce,
transe, contração de realçamento, engastamento, encaixamento,
disfarçamento e transimento. Nenhum desses nomes contraídos e
passivos tem equivalentes no latim.
Tal é a verdadeira
etimologia da palavra portuguesa lance; e não a que dá Morais, derivando-a
do francês élan, ou a que procurou Constâncio arbitrariamente e conforme
seu
costume na palavra grega laxis.
Que necessidade tinha a língua de socorrer-se de elemento estranho, quando
em si própria tinha o necessário para dar raiz lancea tirar por
gradações o vocábulo lance?
Ao passo que em português
a radical era assim desenvolvida, no francês produzia o verbo lancer, o
nome lancement, e segundo pretende Bescherelle e os melhores dicionários
esse outro nome composto élan e seus derivados élancer, etc.
Quanto a mim, élan parece antes uma corrupção por transposição de an-helus;
a sua significação de ímpeto ou salto arrebatado é figurada e não primitiva.
Como quer que for, tenham
os franceses feito o seu vocábulo élan ou lancea ou de anhelus,
como nós fizemos o nosso de lance, não podemos nós os portugueses
explorar mais essa fonte para dela haurir as riquezas que existam sem incorrer
em crime de galicismo? Porque os
franceses compuseram a raiz, e criaram élan, élancer, élancement, não é
permitido ao escritor português usar de igual direito e prerrogativa?
Quando de lance fizeram
os bons autores relance, relancear, juntando o prefixo que indica
repetição, concederam autoridade para todos aqueles compostos que forem
necessários e harmoniosos. Elance está nesse caso; ele é parente próximo
e eflúvio, efeito, efúgio, efusão, elisão, emanação, e tantos outros
formados da preposição e ou ex que exprime a emissão ou produção
externa da ação.
RUTILO –
De restilar, brilhar, trilar, fizeram restilo, brilho e trilo;
de cintilar, cintila ou centelha. Por que razão o verbo rutilar,
um dos mais belos da língua portuguesa, não havia de ter um só nome
substantivo, quando outros têm-os os três e quatro? Nada de privilégios, nem
mesmo para os vocábulos; igualdade
perante a língua, como perante a lei.
ROÇAGAR –
Este verbo, se não me engano, já foi usado; eu mesmo o escrevi freqüentes vezes
sem investigar dos seus títulos e diplomas. De feito, sendo o particípio
presente roçagante consagrado, parece que não pode ele existir sem o
verbo, cujo é. Constâncio diz, é verdade, que deriva roçagante de roçar;
mas creio que não obstante seus devaneios em matéria de etimologia, não
pretendeu ele que fosse o particípio daquele verbo.
Aqui aparece a desinência ejar
de que falamos em outra nota, mais aproximada da radical ago. Essa
desinência, como foi dito, comunica ao verbo a idéia de iniciativa e atividade;
e por dedução a idéia de freqüência e repetição. Roçagar é pois uma
variante de rocegar ou rossejar; variante de grande estimação
pela beleza e harmonia. Sua verdadeira significação deve ser a seguinte:
produzir roçamento freqüente e repetido.
Daí veio chamar-se roçagante
a roupa talar e ampla, não somente porque arrasta no chão, como dizem
Morais e Constâncio, mas porque suas muitas dobras tocando-se de leve umas às
outras produzem um roçamento repetido, rossejam. [...]
O verbo arregaçar não
exprime tanto nem tão bem; é mais do que colher e seus compostos, pois é
colher fazendo seio ou regaço; mas não dá a idéia de ondulação contínua, e nem
a da rejeição do véu por sobre a cabeça. Arregaçar o véu é levantá-lo apenas;
roçagar é atirá-lo para as espáduas. Em idêntica significação o
empreguei“...enquanto a mão ligeira roçagava os amplos folhos da seda
que rugia arrastando.” Traduza-se: enquanto a mão ligeira rejeitava fazendo
roçar uns nos outros repetidas vezes os amplos folhos, etc.”
FRONDES –
A palavra latina frons, ondis, que significa propriamente a folha
superior e recente, o renovo-gérmen, arborum, hervarum et florum. Introduzida
na linguagem científica por Lineu, foi logo adotada, como merecia, pela
linguagem literária e artística, onde ela vem aumentar a família de vocábulos
que receberam do latim os nossos clássicos frondear, frondejar, frondente,
frondoso, frondífero, etc.
Para exprimir os renovos
das palmeiras ela é sobretudo de grande beleza, porque acrescenta a idéia de
elevação.
AFLAR – A
virtude ou vício desse vocábulo me deve ser imputado, porque fui eu o primeiro
que o transportei para a nossa língua ex auctoritate qua scriboi.
Afflo vel adflo, ad
aliquid spiro, vel flatu contingo, composto
de ad, para, e flo, soprar. Se acharem na língua portuguesa um
verbo que exprima ao mesmo tempo, com tanta propriedade, elegância e beleza
imitativa, o movimento produzido pelo bafejo da aragem sobre as folhas, ou a
ondulação de certos objetos que agitam o ar, como o leque, os folhos de um
vestido, etc., eu confessarei que cometi uma superfluidade emprestando do latim
essa palavra nova.
Mas duvido que achem termo
nessas condições. Eu conheço soprar, arejar, bafejar, arar, espirar e
seus compostos, ventilar, e talvez outros que me não recordem agora.
Nenhum deles satisfaz: soprar, arejar, ventar e ventilar têm a
significação genérica de emitir sopro, ar ou vento; bafejar é o ar
ligeiro que expelimos pela boca, ou figuradamente o que se lhe assemelha pela
brandura e tepidez; espirar, respirar, suspirar significam várias
modificações no movimento do ar vital; arfar exprime a ondulação
produzida pelo ar interior.
Aflar porém reúne a significação de muito desses verbos.
Ele indica a emissão do ar, acrescentando a idéia de um lugar para, ad. Afla
a brisa, sopra para, dirige-se a outro lugar. Indica também, como arfar,
uma ondulação produzida pelo ar, mas não é de expansão, e sim de deslocação. O
seio arfa porque se intumesce de ar; a palma afla porque o sopro
intermitente a embalança.
A grande beleza porém do
vocábulo está na onomatopéia; afla é o som harmonioso de certos
movimentos que o verbo seja chamado a exprimir: afla um mimoso leque
meneado lentamente, um vestido de chamalote com a ondulação do andar gracioso,
uma bandeira agitada pela brisa, etc.
RUBESCÊNCIA
– Já se tratou da desinência verbal escer, que designa continuação
gradual, progressiva e lenta. A essa desinência verbal corresponde a dos
substantivos derivados encia, que exprimem a mesma idéia.
A língua portuguesa foi
parca em seu empréstimo da latina quanto à família deste vocábulo; apenas tomou
o substantivo rubor, o adjetivo rúbido, e o verbo composto enrubescer;
desprezou o verbo rubir, de rubeo, ser vermelho, o substantivo rubidino,
is, rubidez, que outros adotaram quando sentiram a necessidade, e com
tão bom direito como foram adotados languir e languidez.
Eu limitei-me a adotar o
verbo simples rubescer e seu substantivo rubescência,
porque careci dele para
exprimir a minha idéia. Rubor exprime o efeito da ação verbal rubeo.
O outro derivado, rubidez, se fosse admitido, exprimiria um estado ou
qualidade, conforme a ação. Rubescência porém indica a gradação da cor
que se vai acendendo nas faces até chegar a ser rubor.
FERVILHAR
– É palavra conhecida e usada; é o diminutivo de ferver. Essa
propriedade de diminuir a significação dos verbos, como de a aumentar pela
desinência, é outro privilégio da língua portuguesa.
CEARÁ (“Iracema”):
Diz a tradição que Ceará significa na língua indígena — canto de jandaia.
Aires
do Casal, Corografia Brasílica, refere essa tradição. O senador Pompeu em
seu excelente dicionário topográfico, menciona uma opinião, nova para mim, que
pretende vir Siará da palavra suia — caça, em virtude da abundância de caça
que se encontrava nas margens do rio. Essa etimologia é forçada. Para designar
quantidade, usava a língua tupi da
desinência iba; a desinência ára junta aos verbos
designa o sujeito que exercita a ação atual; junta aos nomes o que tem
atualmente o objeto; ex.: Coatiara
— o
que pinta; Juçara — o que tem espinhos.
Ceará é o nome composto de cemo — cantar forte, clamar, e ará — pequena arara ou periquito. Essa é a
etimologia verdadeira; não só conforme com tradição, mas com as regras da
língua.
JIRAU — Na jangada
é uma espécie de estrado onde acomodam os passageiros; e às vezes o cobrem de
palha. Em geral é qualquer estiva elevada do solo e suspensa em forquilhas.
RUGITAR — É um verbo
de minha composição para o qual peço vênia. Filinto Elísio criou ruidar de ruído.
IRACEMA — Em guarani
significa lábios de mel — de ira, mel e tembe — lábios. Tembe na composição altera-se em ceme,
como na palavra ceme-iba.
GRAÚNA — É o
pássaro conhecido de cor negra luzidia. Seu nome vem por corrupção de guira — pássaro, e una, abreviação de pixuna
— preto.
JATI — Pequena
abelha que fabrica delicioso mel.
IPU — Chamam
ainda hoje no Ceará certa qualidade de terra muito fértil, que forma grandes
coroas ou ilhas no meio dos tabuleiros e sertões, e é de preferência procurada
para a cultura. Daí se deriva o nome dessa comarca
da província.
TABAJARAS — Senhores
das aldeias, de taba — aldeia,
e jara — senhor. Essa nação
dominava o interior da província, especialmente a serra de Ibiapaba.
OITICICA — Árvore
frondosa, apreciada pela deliciosa frescura que derrama sua sombra.
GARÁ — Ave
paludal, muito conhecida pelo nome de guará. Penso eu que esse nome anda corrompido de sua verdadeira origem, que
é ig — água, e ará — arara: arara
d´água. Também assim chamada pela bela cor vermelha.
ARÁ — Periquito.
Os indígenas como aumentativo usavam repetir a última sílaba da palavra e às
vezes toda a palavra, como murémuré.
Muré — frauta, muremuré — grande frauta. Arárá
vinha a ser, pois, o aumentativo de ará, e significaria a espécie maior do gênero.
URU — Cestinho
que servia de cofre às selvagens para guardar seus objetos de mais preço e
estimação.
CRAUTÁ — Bromélia
vulgar, de que se tiram fibras tão ou mais finas que as do linho.
JUÇARA — Palmeira
de grandes espinhos, das quais servem-se ainda hoje para dividir os fios de
renda.
UIRAÇABA — Aljava, de
uira — seta, e a desinência çaba
— coisa
própria.
IBIAPABA — Grande
serra que se prolonga ao norte da província e a extrema com Piauí. Significa terra aparada. O Dr. Martius em seu Glossário lhe atribui outra etimologia Iby — terra, e pabe — tudo.
A primeira porém tem a autoridade de Vieira.
IGAÇABA — De ig — água, e a desinência çaba — coisa própria. Vaso, pote.
JAGUARIBE — O maior
rio da província; tirou o nome da quantidade de onças que povoavam suas
margens. Jaguar — onça,
iba — desinência para exprimir cópia,
abundância.
MARTIM — Da origem
latina de seu nome, procedente de Marte, deduz o estrangeiro a
significação que lhe dá.
PITIGUARAS — Grande
nação de índios que habitava o litoral da província e estendia-se desde o
Parnaíba até o Rio Grande do Norte. A ortografia do nome anda mui viciada nas
diferentes versões, pelo que se tornou difícil conhecer a etimologia Iby
significava terra; iby-tira veio a significar serra, ou terra alta.
Aos vales chamavam os indígenas iby-tira-cua
— cintura
das montanhas. A desinência jara
— senhor, acrescentada, formou a palavra Ibiticuara, que por corrução deu Pitiguara
— senhores
dos vales.
JUREMA — Árvore
meã, de folhagem espessa; dá um fruto excessivamente amargo, de cheiro acre, do
qual juntamente com as folhas e outros ingredientes preparavam os selvagens uma
bebida, que tinha o efeito do haxixe, de produzir sonhos tão vivos e intensos,
que a pessoa fruía neles melhor do que na realidade. A fabricação desse licor
era um segredo, explorado pelos pajés, em proveito de sua influência. Jurema
é composto de ju — espinho, e rema — cheiro desagradável.
IRAPUÃ — De ira — mel, e apuam — redondo; é o nome dado a uma abelha virulenta e
brava, por causa da forma redonda de sua colmeia. Por corrupção reduziu-se esse
nome atualmente a arapuá. O guerreiro de que se trata
aqui é o célebre Mel Redondo, assim chamado pelos cronistas do tempo que
traduziram seu nome ao pé da letra. Mel Redondo, chefe dos tabajaras da serra
de Ibiapaba, foi encarniçado inimigo dos portugueses e amigo dos
franceses.
ACARAÚ — O nome do
rio é Acaracu — de acará — garça,
co — buraco, toca, ninho e y — som dúbio entre i e
u, que os portugueses ora exprimiam de um, ora de outro modo, significando
água. Rio do ninho das garças é, pois,
a tradução de Acaracu; e rio
das garças a de Acaraú.
Usou-se aqui da liberdade horaciana para evitar em uma obra literária, obra de
gosto e artística, um som áspero e ingrato. De resto quem sabe se o nome
primitivo não foi realmente
Acaraú, que se alterou como tantos outros, pela introdução da consoante?
BOICININGA — É a cobra
cascavel, de boia — cobra, e cininga
— chocalho.
OITIBÓ — É uma ave
noturna, espécie de coruja.
BORÉ — Frauta de bambu, o mesmo que muré.
OCARA — Praça
circular que ficava no centro da taba, cercada pela estacada, e para a qual
abriam todas as casas. Composto de oca
— casa,
e a desinência ara — que tem; aquilo que tem a casa, ou onde a
casa está.
POTIUARA — Comedor de camarão; de poty e uara. Nome (potiguara) que por desprezo davam os inimigos aos
pitiguaras, que habitavam as praias e viviam em grande parte da pesca. Este
nome dão alguns escritores aos pitiguaras, porque o receberam de seus inimigos.
POCEMA — Grande
alarido que faziam os selvagens nas ocasiões solenes, como em começo de
batalha, ou nas expansões da alegria; é palavra adotada já na língua portuguesa
e inserida no dicionário de Morais. Vem de po — mão, e cemo — clamar: clamor das mãos, porque os selvagens
acompanhavam o vozear com o bater das palmas e das armas.
ANDIRA — Morcego; é
em alusão a seu nome que Irapuã dirige logo palavras de desprezo ao velho
guerreiro.
ARACATI — Significa
este nome bom tempo — de ara e catu. Os selvagens do sertão assim chamavam as
brisas do mar que sopram regularmente ao cair da tarde e, correndo pelo vale do
Jaguaribe, se derramam pelo interior e refrigeram da calma abrasadora do verão.
Daí resultou chamar-se Aracati o
lugar de onde vinha a monção. Ainda hoje no Icó o nome é conservado à brisa da
tarde, que sopra do mar.
AFLAR — Sobre este
verbo que introduzi na língua portuguesa do latim afflo, já escrevi o
que entendi em nota de uma segunda edição da Diva, que brevemente há de vir à luz.
ANHANGÁ — Davam os
indígenas este nome ao espírito do mal; compõe-se de anho — só, e angá — alma. Espírito só, privado
de corpo, fantasma.
CAMUCIM — Vaso onde
encerravam os indígenas os corpos dos mortos e lhes servia de túmulo; outros
dizem camotim, e talvez com melhor ortografia, porque, se
não me engano, o nome é corrupção da frase co — buraco, ambira — defunto,
anhotim — enterrar;
buraco para enterrar o defunto: c´am´otim. O nome dava-se também a qualquer pote.
GUABIROBA — Deve
ler-se Andiroba. Árvore que dá
um azeite amargo.
MOQUÉM — Do verbo mocáem — assar
na labareda. Era a maneira por que os indígenas conservavam a caça para não
apodrecer, quando a levavam em
viagem. Nas cabanas a tinham no fumeiro.
JURUPARI — Demônio; de juru — boca, e apara — torto, aleijado.
O boca torta.
UBAIA — Fruta
conhecida da espécie eugênia. Significa fruta
saudável; de uba — fruta, e aia — saudável.
Jandaia — Este nome
que anda escrito por diversas maneiras, nhendaia, nhandaia, e em todas alterado, é apenas um adjetivo qualificativo do
substantivo ará. Deriva-se ele das palavras nheng — falar, antan — duro, forte, áspero, e ara —
desinência verbal que exprime o agente: nh´ant´ara; substituído o t por
d e o r por i, tornou-se nhandaia,
donde jandaia, que se traduzirá por periquito
grasnador. Do canto desta ave, como se viu, é
que
vem o nome de Ceará, segundo a
etimologia que lhe dá a tradição.
INHUMA — Ave
noturna palamedea. A espécie de que se fala aqui é a Palamedea chavaria, que
canta regularmente à meia-noite. A ortografia melhor creio ser anhuma, talvez de anho — só, e anum — ave agoureira
conhecida. Significaria então anum solitário, assim chamado pela tal ou qual semelhança do grito
desagradável.
INÚBIA — Trombeta
de guerra. Os indígenas, segundo Lery, as tinham tão grandes que mediam muitos
palmos no diâmetro de abertura.
GUARÁ — Cão
selvagem, lobo brasileiro. Provém esta palavra do verbo u —
comer, do qual se forma com o
relativo g e a desinência ara o verbal g-u-ára — comedor. A sílaba final
longa é a partícula propositiva ã
que serve para dar força à palavra.
G-U-ÁRA-Á — realmente comedor, voraz.
JIBÓIA — Cobra
conhecida; de gi — machado,
e boia — cobra. O nome foi tirado
da maneira por que a serpente lança o bote, semelhante ao golpe do machado;
pode traduzir-se bem: cobra de arremesso.
SUCURI — A serpente
gigante que habita nos grandes rios e engole um boi. De suu — animal, e cury ou curu — roncador.
Animal roncador, porque de feito o ronco da sucuri é medonho.
UBIRATÃ — Pau-ferro;
de ubira — pau, e antan — duro.
MARACAJÁ — Gato
selvagem.
CAITITUS — Porco-do-mato,
espécie de javali brasileiro. De caeté
— mato
grande e virgem, e suu — caça,
mudado o s em t na composição pela
eufonia da língua. Caça do mato virgem.
JAGUAR — Vimos que guará
significa voraz. Jaguar tem
inquestionavelmente a mesma etimologia; é o verbal guara e o pronome já — nós. Jaguar era, pois, para os
indígenas, todos os animais que os devoravam. Jaguareté — o grande devorador.
ACAUÃ — Ave inimiga das cobras; de
caa — pau, e uan, do verbo u — que
come pau.
SAÍ — Lindo
pássaro, azul.
CARIOBA — Camisa de
algodão; de cary — branco,
e oba — roupa. Tinha também a araçóia, de arara e oba
— vestido de penas de arara.
JACI — A Lua. De já
— pronome nós, e cy — mãe.
A Lua exprimia o mês para os selvagens; e seu nascimento era sempre por eles
festejado.
BUCÃ — Significa uma espécie de grelha que os
selvagens faziam para assar a caça, daí vem o verbo francês boucaner. A palavra é da língua tupi.
ABAETÉ — Varão
abalizado; de aba — homem,
e eté — forte, egrégio.
JACAÚNA — Jacarandá-preto,
de jaca — abreviação de jacarandá, e una — preto. Este Jacaúna é o célebre chefe, amigo de
Martim Soares Moreno.
JAPI — Significa nosso pé; do pronome já — nós, py — pé.
IBIAPINA — De iby — terra, e apino — tosquiar.
JATOBÁ — Grande
árvore real. O lugar da cena é o sítio da hoje Vila Viçosa, onde diz a tradição
ter nascido Camarão.
MERUOCA — De meru — mosca, e oca — casa. Serra junto de
Sobral, fértil em mantimentos.
URUBURETAMA — Pátria ou
ninho de urubus: serra bastante alta.
MUNDAÚ — Rio muito
tortuoso que nasce na serra de Uruburetama. Mundé — cilada, e hu — rio.
POTENGI — Rio que
rega a cidade de Natal, donde era filho Soares Moreno.
SOIPÉ — País da
caça. De sôo — caça,
e ipé — lugar onde. Diz-se hoje
Suipé, rio e povoação pertencente a freguesia e termo da Fortaleza, situada à
margem dos alagados chamados Jaguaruçu, na embocadura do rio.
IGUABE — Enseada
distante duas léguas de Aquirás. De ig
— água,
cua — cintura, e ipé — onde.
MOCORIBE — Morro de areia na
enseada do mesmo nome, a uma légua do Fortaleza; diz-se hoje Mucuripe. Vem de corib — alegrar, e mo, partícula ou abreviatura do verbo monhang — fazer, que se junta aos verbos neutros e mesmo
ativos para dar-lhes significação passiva; ex.: caneon — afligir-se, mocaneon — fazer alguém aflito.
TAPUIAS — Em tupi — tapuitinga. Nome que os pitiguaras davam aos franceses para diferençá-los dos
tupinambás. Tapuia significa bárbaro, inimigo. De taba —
aldeia, e puir — fugir: os fugidos da aldeia.
MAIRI — Cidade.
Talvez provenha o nome de mair
— estrangeiro, e fosse aplicado aos povoados dos brancos
em oposição às tabas dos índios.
BATUIRETÉ — Narceja
ilustre; de batuira e eté.
Apelido que tomara o chefe pitiguara,
e que na linguagem figurada valia tanto como valente nadador. É o nome de uma
serra fertilíssima e da comarca que ela ocupa.
JATOBÁ — Árvore
frondosa, talvez de jetahy, oba — folha, e a, aumentativo; jetaí de grande copa. É o nome de um rio e de uma serra em Santa Quitéria.
QUIXERAMOBIM — Segundo o
Dr. Martius traduz-se por essa exclamação de saudade. Compõe-se de Qui — Ah!, xere — meus,
amôbinhê — outros tempos.
MARANGUAB — A serra de
Maranguape, distante cinco léguas da capital, e notável pela sua fertilidade e
formosura. O nome indígena compõe-se de maran — guerrear, e coaub — sabedor; maran talvez seja
abreviação de
maramonhang — fazer guerra, se não é, como eu penso,
o substantivo simples guerra,
de que se fez o verbo composto. O Dr.
Martius traz etimologia diversa. Mara
— árvore, angai
— de
nenhuma maneira, guabe — comer.
Esta
etimologia nem me parece própria ao objeto, que é uma serra, nem conforme com
os preceitos da língua.
PIRAPORA — Rio de
Maranguape, notável pela frescura de suas águas e excelência dos banhos
chamados de Pirapora, no lugar das cachoeiras. Provém o nome de Pira — peixe, pore — salto; salto do peixe.
PORANGABA — Significa
beleza. É uma lagoa distante da cidade uma légua em sítio aprazível. Hoje a
chamam Arronches; em suas margens está a decadente povoação do mesmo nome.
JERERAÚ — Rio das
marrecas; de jerere ou irerê — marreca, e hu — água. Este lugar ainda hoje é notável pela excelência de frutas,
com especialidade as belas laranjas conhecidas por laranjas de Jereraú.
SAPIRANGA — Lagoa no
sítio Alagadiço Novo, a cerca de duas léguas da capital. O nome indígena
significa olhos vermelhos, de ceça — olhos, e piranga — vermelhos. Esse mesmo nome dão
usualmente no Norte a certa
oftalmia.
MURITIAPUÁ — De muriti — nome da palmeira mais vulgarmente conhecida por buriti, e apuã — ilha. Lugarejo no mesmo
sítio referido.
ARATANHA — De arara — ave, e tanha — bico. Serra mui fértil e cultivada, em
continuação da de Maranguape.
GUAIÚBA — De goaia — vale, y — água, jur — vir,
be — por onde: por onde vêm as
águas do vale. Rio que nasce na serra da Aratanha e corta a povoação do mesmo
nome a seis léguas da capital.
PACATUBA — De paca e tuba, leito ou couto
das pacas. Recente, mas importante povoação, em um belo vale da serra da
Aratanha.
ÂMBAR — As praias
do Ceará eram nesse tempo abundantes de âmbar que o mar arrojava. Chamavam-lhe
os indígenas pira repoti — esterco de peixe.
COATIÁ — pintar. — A
História menciona esse fato de Martim Soares Moreno se ter coatiado quando vivia
entre os selvagens do Ceará.
COATIABO — A desinência abo significa
o objeto que sofreu a ação do verbo, e talvez provenha de aba — gente, criatura.
CARBETO — Espécie de
serão que faziam os índios à noite em uma cabana maior, onde todos se reuniam
para conversar. Leia-se Ives d´Evreux, Viagem ao Norte do Brasil.
MOCEJANA — Lagoa e
povoação a duas léguas da capital. O verbo cejar significa — abandonar; a desinência ana indica a pessoa que exercita a ação do verbo. Cejana significa o que abandona.
Junta à partícula mo do verbo monhang — fazer, vem a palavra a significar o que
fez abandonar ou que foi lugar e ocasião de abandonar.
MONGUBA — Árvore que
dá um fruto cheio de cotão, semelhante ao da sumaúma, com a diferença de ser
negro. Daí veio o nome de uma parte da serra de Maranguape, onde tem
estabelecimento rural o tenente-coronel
João
Franklin de Alencar.
IMBU — Fruta da
serra do Araripe que não tem no litoral. É saborosa e semelhante ao cajá.
JACARECANGA — Morro de
areia na praia do Ceará afamado pela fonte de água fresca puríssima. Vem o nome
de jacaré — crocodilo, e acanga — cabeça.
JAPIM — Pássaro
cor-de-ouro com encontros pretos e conhecido vulgarmente pelo nome de sofrê.
TUPINAMBÁS — Nação
formidável, ramo primitivo da grande raça tupi. Depois de uma resistência
heróica, não podendo expulsar os portugueses da Bahia, emigraram até o
Maranhão, onde fizeram aliança com os franceses, que já então infestavam
aquelas paragens. O nome que eles se davam significa — gente parente dos tupis, de tupi — anama — aba.
MARACATIM — Grande
barco que levava na proa — tim
— um maracá. Aos barcos menores ou canoas chamavam igara, de ig — água, e jara — senhor; nhora d´água.
CAIÇARA — De cai — pau queimado e a desinência çara,
cousa
que tem, ou se
faz; o que se faz de pau queimado.
Era uma forte estacada de pau-a-pique.
MOACIR — Filho do
sofrimento: de moaci — dor,
e ira — desinência que significa — saído
de.
CARIMÃ — Uma
conhecida preparação de mandioca. Caric
— correr,
mani — mandioca: mandioca escorrida.
TAUAPE — Lugar do
barro amarelo: de tauá e ipé.
Fica no caminho de Maranguape.
PIAU — Peixe que
deu o nome ao rio Piauí.
ITAÓCA — Casa de
pedra, fortaleza.
MANACÁ — Linda
flor. Veja-se o que diz a respeito o Sr. Gonçalves Dias em seu dicionário.
CUPIM — Inseto conhecido. O nome compõe-se de co — buraco, e pim — ferrão.
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É isso!
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