Bobo e bufão são termos sinônimos; ambos designavam nos tempos antigos o indivíduo mantido por reis e poderosos para os divertirem com
caretas, graças e zombarias. Para nós denota um indivíduo tolo, que diz
asneiras, um fanfarrão ou truão etc. O nosso bufão em francês é boufon
ou fou: doido. Célio Rodigino deu a
seguinte explicação para a origem do bufão.
O rei Ereteu havia instituído na Ática uma festa, em que, à época o
sacrificador se chamava Bufão. Tendo este imolado um touro diante do altar de
Júpiter, o protetor da cidade, fugiu logo em seguida, pois o ato não condizia
com as boas observâncias sagradas. Houve várias diligências em sua busca, porém
em vão. Não
sendo encontrado o Bufão, levaram ao tribunal a machada e outros instrumentos
que o dito fazia uso como instrumentos de sacrifícios, os quais serviriam como
provas contra ele. Sua ausência fez a sentença sair contra a machada. Esse
episódio passou a fazer parte da tradição, sendo repetido anos após ano. Com o
tempo passou-se a chamar de bufões os indivíduos de atitudes extravagantes. Em
“O Bobo”, Alexandre Herculano nos oferece uma noção mais interessante sobre o
tal bobo da corte, da qual obra extraímos o seguinte enxerto: “E ele ria: ria contínuo! Era rir
diabólico o do bobo: porque nunca deixava de ir pulsar dolorosamente as fibras
de algum coração. Os seus ditos satíricos, ao passo que suscitavam a hilaridade
dos cortesãos, faziam sempre uma vítima. Como o Ciclope da Odisséia, na sala d’armas ou do banquete; nos
balcões da praça do tavolado, ou das tauromaquias; pela noite brilhante e
ardente dos saraus, e até junto dos altares, ao reboar o templo com as
harmonias dos cânticos e salmos, com as vibrações dos sons do órgão, no meio da
atmosfera engrossada pelos rolos do fumo alvacento do incenso; em toda a parte
e a todas as horas, o bufão tomava ao acaso o temor que infundia o príncipe, o
barão ou o ilustre cavaleiro, e o respeito que se devia a dona veneranda ou a
dama formosa, e tocando-os com a ponta da sua palheta, ou fazendo-os voltear
nos tintinábulos do seu adufe, convertia esse temor e respeito numa cousa truanesca
e ridícula. Depois, envolvendo o caráter da nobre e grave personagem,
atassalhado e cuspido, num epigrama sangrento ou numa alusão insolente,
atirava-o aos pés da turba dos cortesãos. No meio, porém, das risadas
estrepitosas ou do rir abafado, lançando de passagem um olhar brilhante e vago
ao gesto confrangido e pálido da vítima, e, como o tigre, recrudescendo com o
cheiro da carniça, o bobo cravava de salto as garras naquele a quem ódio
profundo ou inveja solapada fazia saborear com mais entranhável deleite a
vergonha e abatimento do seu inimigo. Então a palidez deste pouco a pouco deslizava
num sorriso, e ia tingir as faces do cortesão que, havia instantes, se recreava
folgado na vingança satisfeita. Se era em banquete ou sarau, onde o fumo do
vinho e a ebriedade que nasce do contacto de muitos homens juntos, das danças,
do perpassar das mulheres voluptuariamente adornadas, do cheiro das flores, da
torrente de luz que em milhões de raios aquece o ambiente, a loucura fictícia
do truão parecia dilatar-se, agitar-se, converter-se num turbilhão infernal. Os
motejos e as insolências volteavam sobre as cabeças com incrível rapidez: as
mãos que iam unir-se para aprovar estrondosamente o fel da injúria vertido
sobre uma fronte odiada ficavam muitas vezes imóveis, contraídas, convulsas,
porque entre elas tinha passado a seta de um epigrama azeirado, e havia batido no
coração ou na consciência de quem imaginava só aplaudir a alheia angústia. E
por cima daquele estrépito de palmas, de gritos, de rugidos de indignação, de
gargalhadas, que gelavam freqüentemente nos lábios dos que as iam soltar,
ouvia-se uma voz esganiçada que bradava e ria, um tinir argentino de guizos, um
som baço de adufe; viam-se brilhar dous olhos reluzentes e desvairados num
rosto disforme, onde se pintava o escárnio, o desprezo, a cólera, o
desfaçamento, confundidos e indistintos. Era o bobo que nesse momento imperava
despótico, tirânico, inexorável, convertendo por horas a frágil palheta em cetro
de ferro, e erguendo-se altivo sobre a sua miserável existência como sobre um
trono de rei – mais porventura que trono; porque nesses momentos ele podia
dizer: “os reis também são meus servos!”
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É isso!
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