Deriva tal termo do
latim ablativo, de ablativus, composto de ab e lativus,
formado de latus (particípio passado
de fero), que significa: levado, removido,
transportado. Este caso de declinação é exclusivamente próprio do latim ablativus proprius est Romanorum. Indica, portanto, circunstâncias de
afastamento ou procedência. Em latim designa também causa, instrumento, modo, tempo,
lugar etc.
O genial Machado de Assis
dedicou uma de suas deliciosas crônicas sobre o assunto. Vejamos:
CAPÍTULO V - DO ABLATIVO
O modo com que alguma
coisa se faz põe-se: Só com empenhos se
obtêm empregos. Com espetáculos no Teatro Lírico é que o Ginásio há de levantar
cabeça. Com esperanças no futuro é que muita gente se mete em especulações.
A causa por que alguma
coisa se faz põe-se em ablativo.
Ex.: O Vasques faz benefício porque não
tem dinheiro. Há vereadores que foram eleitos por prometerem muita coisa. A
imundícia em que está a cidade do Rio de Janeiro é devida a... (adivinhem).
O instrumento com que
alguma coisa se faz, põe-se em ablativo.
Ex.: O dinheiro. O amor. O descaro.
O tempo em que alguma
coisa sucede, põe-se em ablativo.
Ex.: O muro do Passeio Público começou a
ser feito há mais de um século, e ainda não está pronto. O Teatro Lírico foi
construído por três anos, em 1852, e ainda está em pé, aformoseando o campo.
Desde que o Brasil é Brasil fala-se em desmoronar a montanha do Castelo. A
Semana ILUSTRADA já completou dois anos de existência e há de durar muitos
séculos.
O espaço de tempo, que
alguma coisa dura, põe-se em ablativo.
Ex.: A lama nas ruas do Rio de Janeiro
dura até secar pelos raios do sol. A paciência dos Fluminenses é eterna a
respeito da fiscalização municipal. O reinado dos ratoneiros dura todos os dias
desde as 10 horas da noite até às 5 da madrugada.
A coisa em que alguém
excede a outro, põe-se em ablativo. Ex. Um
fiscal excede a uma preguiça em cuidados municipais. Os ratoneiros excedem à
polícia em olho vivo. Os bailes do Oriente excedem a todos em pancadaria de
zabumbas e de... pratos.
O preço por que alguma
coisa se compra, ou vende, põe-se em ablativo.
Ex.: Quanto custaram as obras do Passeio
Público? Por quantos contos de réis se fez o grande depósito de água em
Catumbi?! Quem comprará certas firmas que há na praça do Rio de Janeiro?
O princípio ou parte
donde alguma ação procede, põe-se em ablativo.
Ex.: A porcaria em que está a cidade de
S. Sebastião procede da incúria de muita gente. A febre amarela e a colerina
procedem do sono dos eleitos do povo. A falta de dinheiro, que todos sentem,
procede dos mil e tantos regulamentos e decretos do tesouro.
A matéria de que alguma
coisa se faz põe-se em ablativo.
Ex.: De qualquer homem forma-se um
preceptor de meninos das aulas da Correição. De qualquer imundícia faz-se
aterro do campo de Santa Ana. De qualquer cego de pau e cãozinho faz-se um
pedestre para apanhar os rapinadores de galinhas de gamelas de roupa.
O lugar onde alguém
está, ou onde alguma coisa sucede, põe-se em ablativo. Ex.: Os Fluminenses
estão em um depósito de pestes. A câmara municipal está em um céu de delícias.
Os burros e os gatos morrem pelas ruas, e aí ficam dias inteiros. O centro do
largo do Rocio é atravessado por quanto carro há, quando havia ordens em
contrário.
O lugar donde alguém
sai, ou vem, põe-se em ablativo.
Ex.: Os tigres saem de todas as portas e
a todas as horas. A descrença brota em todos os corações. A fome geral vem do
pouco caso que se faz do povo, que só é considerado em vésperas de eleições.
O lugar por onde alguém
vai, ou passa, põe-se em ablativo.
Ex.: Pelo campo de Santa Ana ninguém pode
passar. (Exceção da regra). A rua do Cattete está intransitável. (Não há mais
exemplos para esta regra, porque no Rio de Janeiro por poucos lugares se pode
andar e passar sem o lenço no nariz). A distância de um lugar a outro põe-se em
ablativo. Ex.: Um burro e um carroceiro. O povo e os seus representantes. O começo destas preleções
e o seu
PASSEIO PÚBLICO
28 DE SETEMBRO 1862.
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