30 de set. de 2015

O “Ablativo” e a explicação de Machado de Assis

Deriva tal termo do latim ablativo, de ablativus, composto de ab e lativus, formado de latus (particípio passado de fero), que significa: levado, removido, transportado. Este caso de declinação é exclusivamente próprio do latim ablativus proprius est Romanorum.  Indica, portanto, circunstâncias de afastamento ou procedência. Em latim designa também causa, instrumento, modo, tempo, lugar etc.

O genial Machado de Assis dedicou uma de suas deliciosas crônicas sobre o assunto. Vejamos:

CAPÍTULO V - DO ABLATIVO

O modo com que alguma coisa se faz põe-se: Só com empenhos se obtêm empregos. Com espetáculos no Teatro Lírico é que o Ginásio há de levantar cabeça. Com esperanças no futuro é que muita gente se mete em especulações.

A causa por que alguma coisa se faz põe-se em ablativo. Ex.: O Vasques faz benefício porque não tem dinheiro. Há vereadores que foram eleitos por prometerem muita coisa. A imundícia em que está a cidade do Rio de Janeiro é devida a... (adivinhem).

O instrumento com que alguma coisa se faz, põe-se em ablativo. Ex.: O dinheiro. O amor. O descaro.

O tempo em que alguma coisa sucede, põe-se em ablativo. Ex.: O muro do Passeio Público começou a ser feito há mais de um século, e ainda não está pronto. O Teatro Lírico foi construído por três anos, em 1852, e ainda está em pé, aformoseando o campo. Desde que o Brasil é Brasil fala-se em desmoronar a montanha do Castelo. A Semana ILUSTRADA já completou dois anos de existência e há de durar muitos séculos.

O espaço de tempo, que alguma coisa dura, põe-se em ablativo. Ex.: A lama nas ruas do Rio de Janeiro dura até secar pelos raios do sol. A paciência dos Fluminenses é eterna a respeito da fiscalização municipal. O reinado dos ratoneiros dura todos os dias desde as 10 horas da noite até às 5 da madrugada.

A coisa em que alguém excede a outro, põe-se em ablativo. Ex. Um fiscal excede a uma preguiça em cuidados municipais. Os ratoneiros excedem à polícia em olho vivo. Os bailes do Oriente excedem a todos em pancadaria de zabumbas e de... pratos.

O preço por que alguma coisa se compra, ou vende, põe-se em ablativo. Ex.: Quanto custaram as obras do Passeio Público? Por quantos contos de réis se fez o grande depósito de água em Catumbi?! Quem comprará certas firmas que há na praça do Rio de Janeiro?

O princípio ou parte donde alguma ação procede, põe-se em ablativo. Ex.: A porcaria em que está a cidade de S. Sebastião procede da incúria de muita gente. A febre amarela e a colerina procedem do sono dos eleitos do povo. A falta de dinheiro, que todos sentem, procede dos mil e tantos regulamentos e decretos do tesouro.

A matéria de que alguma coisa se faz põe-se em ablativo. Ex.: De qualquer homem forma-se um preceptor de meninos das aulas da Correição. De qualquer imundícia faz-se aterro do campo de Santa Ana. De qualquer cego de pau e cãozinho faz-se um pedestre para apanhar os rapinadores de galinhas de gamelas de roupa.

O lugar onde alguém está, ou onde alguma coisa sucede, põe-se em ablativo. Ex.: Os Fluminenses estão em um depósito de pestes. A câmara municipal está em um céu de delícias. Os burros e os gatos morrem pelas ruas, e aí ficam dias inteiros. O centro do largo do Rocio é atravessado por quanto carro há, quando havia ordens em contrário.

O lugar donde alguém sai, ou vem, põe-se em ablativo. Ex.: Os tigres saem de todas as portas e a todas as horas. A descrença brota em todos os corações. A fome geral vem do pouco caso que se faz do povo, que só é considerado em vésperas de eleições.

O lugar por onde alguém vai, ou passa, põe-se em ablativo. Ex.: Pelo campo de Santa Ana ninguém pode passar. (Exceção da regra). A rua do Cattete está intransitável. (Não há mais exemplos para esta regra, porque no Rio de Janeiro por poucos lugares se pode andar e passar sem o lenço no nariz). A distância de um lugar a outro põe-se em ablativo. Ex.: Um burro e um carroceiro. O povo e os seus representantes. O começo destas preleções e o seu

PASSEIO PÚBLICO


28 DE SETEMBRO 1862.

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