Em seu
belíssimo “Sermão do Santíssimo Nome de Maria”, o genial Padre Antônio Vieira (um
dos maiores oradores da Língua Portuguesa em todos os tempos) nos brindas com a
sua sapiência e o seu vasto conhecimento da etimologia latina. Fazendo uso de
expressões da língua de Roma, exalta ele as virtudes de Maria (mãe de Jesus
Cristo), justificando-as pelo viés etimológico e teológico. Se não nos convence
com sua Teologia, certamente persuade-nos com sua habilidade no manejo correto
do nosso idioma. Vejamos...
As
significações do nome de Maria: Stella
Maris, Domina, Illuminatrix, Amarum mare, Deus ex genere meo.
Depois de
declarado quem foi e quem só podia ser o autor do nome de Maria, que foi Deus,
segue-se, como prometi, examinar a significação ou significações do mesmo
nome. A língua hebreia, a caldaica, a siríaca, a arábica, a grega, a latina,
todas conspiram em o derivar de diversas raízes e origens, por onde não é uma
só, senão muitas as etimologias deste profundíssimo e fecundíssimo nome, e o
mesmo nome, segundo a propriedade de suas significações, não um só nome, senão
muitos nomes.
A primeira etimologia, e sabida de todos, é
que o nome de Maria significa Stella maris: estrela do mar. O mar é este mundo, cheio de tantos perigos,
combatido de todos os ventos, exposto a tão frequentes tempestades, e em uma
tão larga, temerosa e escura navegação, quem poderia chegar ao porto do céu, se
não fosse guiado de lá por aquela benigníssima estrela? Quibus auxiliis possunt naves inter tot pericula pertransire usque ad
littus patriae? Por que meio poderão os navegantes, entre tantos perigos,
chegar às praias da pátria? – pergunta o Papa Inocêncio III – e responde que só
por meio de duas coisas: nau e estrela. A nau é o lenho da Cruz, a estrela é
Maria: Certe per duo, videlicet, per
lignum et stellam, ide est, per lidem crucis et virtutem lucis, quam peperit
nobis Maria maris stella.
A segunda
significação e etimologia do nome de Maria
é Domina, Senhora por antonomásia, porque do seu domínio e império nenhuma
coisa se exclui: Senhora do céu e Senhora da terra, Senhora dos homens e
Senhora dos Anjos, e até Senhora por modo inefável do mesmo Criador do céu e da
terra, o qual lhe quis ser, e foi sujeito. Ouçamos o altíssimo pensamento de S.
Bernardino, e tão verdadeiro como alto: Ille
qui Filius Dei est et Virginis benedictae, volens paterno principatui
quodammodo principatum aequiparare, ut sic dicam, maternum in se qui Deus erat,
matri famulabatur in terra: Aquele Senhor, que é Filho de Deus e da Virgem,
querendo em certo modo igualar o senhorio de sua Mãe ao senhorio de seu Pai, se
sujeitou e fez súdito da mesma Mãe na terra. – E isto com tanta verdade –
conclui o santo – que assim como verdadeiramente dizemos que todas as coisas
obedecem a Deus, até Maria, assim é verdadeiro dizer que todas as coisas
obedecem a Maria, até Deus: Sicut verum
est divino imperio omnia famulantur, et Virgo, ita quoque verum est Virginis
imperio omnia famulantur, et Deus.
A terceira
etimologia e interpretação do nome de Maria
é Illuminatrix, ou Illuminans eos,
isto é, a que alumia a todos os homens.
Por isso é comparada a Senhora àquela coluna de fogo que de noite alumiava todo
o exército e povo de Israel no deserto, enquanto caminhavam peregrinos para a
Terra de Promissão: Tolle corpus hoc
solare, qui diminuta mundum: ubi dies? Tolle Mariam, quid nisi caligo
involvens, et umbra mortis, et densissimae tenebrae relinquuntur? Tirai do
mundo este corpo solar, esta tocha universal, que o alumia diz – S. Bernardo –
e onde estará então o dia, ou quem o fará? – Do mesmo modo, se tirardes do
mundo a Maria, tudo ficará às escuras, tudo trevas, tudo sombras mortais, tudo
uma noite perpétua, sem que jamais amanheça. – E que muito é – diz o mesmo
santo – que Maria alumie a terra e os homens, se, depois que entrou no céu, a
mesma pátria dos bem-aventurados e a mesma Corte do empíreo ficou muito mais
alumiada e ilustrada com os resplendores de sua presença? Mariae praesentia totus illustratur orbis, et ipsa jam caelestis patria
clarior rutilat virgineae lampadis irradiata fulgore.
A quarta
interpretação, e que parece menos alegre, do docíssimo nome de Maria é Amarum mare: mar amargoso. Mas como podem caber as amarguras do
mar, ou um mar inteiro de amargura, no nome daquela Senhora a quem nós saudamos
e invocamos com ode doçura nossa? Já se vê que aludem estas amarguras às dores
do pé da Cruz, das quais estava profetizado com o mesmo nome de mar: Magna est velut mare contritio tua (Grande é como o mar o teu desfalecimento”
- Lam. 2, 13). – Mas, posto que as águas daquele turbulento mar foram tão
amargosas para a Mãe angustiada que as padeceu, para nós, que logramos os
efeitos delas, são muito doces. Porque, ainda que a misericórdia da Senhora
foi sempre grande, as dores que então experimentou, fez a mesma misericórdia
mais pronta para socorrer e remediar as nossas. Não tem menos autor esse reparo
daquelas amarguras que o angélico Santo Tomás. Diz S. Paulo que Cristo quis
padecer para se poder compadecer de nós: Non
habemus pontificem, qui non possit compati infirmitatibus nostris, tentatum
per omnia (“Não temos um pontífice
que não possa compadecer-se das nossas enfermidades, mas que foi tentado em
todas as coisas” - Hebr. 4, 15). – Pois Cristo, ainda que não fosse
possível, nem padecesse, não se podia compadecer de nós e remediar-nos? Sim,
podia – diz Santo Tomás – mas não com tanta presteza e prontidão, porque
enquanto Deus só conhecia as misérias; por simples notícia, e depois que
padeceu conheceu-as por experiência: Sciendum
quod... posse ali-quando importa! non nudam potentiam, sed promptitudinem et
aptitudinem Christi ad subveniendum: et hoc quia scit per experientiam miseriam
mostram, quam ut Deus ab aeterno scivit per simplicem notitiam. –
Necessário foi logo na Mãe — assim como no Filho - que a experiência das dores
e amarguras próprias lhe acrescentasse a compaixão das alheias, e excitasse e
estimulasse nas suas a prontidão de remediar as nossas.
A quinta etimologia, e também a última, como a
maior e mais excelente de todas, é singularmente do grande doutor da Igreja
Santo Ambrósio, qual diz que o nome de Maria significa Deus ex genere meo: Deus da
minha geração. - Speciale Maria
Domini hoc nomen invenit quod significar Deus e; genere meo. - Não declarou
o santo a origem de tal nome, mas depois lhe descobriram as raízes outros
autores, na derivação de duas palavras hebraicas. E que significação pode
haver, nem mais alta nem tão imensa? S. Paulo em Ate nas, ensinando aos
areopagitas a grande dignidade do homem e parentesco que tem com a divindade,
diz que somos geração de Deus; e para isso lhes alegou como coisa conhecida até
dos mais sábios gentios, o verso de Arato, poeta da sua mesma nação: Ipsius enim et genus sumus (“Porque dele também somos linhagem” - At.
17, 28). - De sorte que os homens somos geração de Deus, e Deus é geração de
Maria: os homens geração de Deus, porque Deus nos deu o ser; Deus geração de
Maria, porque Maria deu o ser a Deus. E isto é o que significa o nome de Maria:
Deus ex genere meo. - Vede se tive
razão de lhe chamar imenso, como agora lhe chamo sobre-imenso. E por quê?
Porque, sendo Deus imenso e infinito, uma parte de que se compõe o nome de
Maria é todo Deus. Quis Deus acrescentar o nome de Abrão, e a significação
dele, que era grande: e que fez? Tirou uma letra do seu nome, a acrescentou-a
ao nome de Abrão. Isso quer dizer: Nec
ultra vocabitur nomen tuum Abram sed appellaberis Abraham (“Daqui por diante não te chamarás mais Abrão,
mas chamar-te-ás Abraão” - Gên. 17, 5). - Este foi o acrescentamento de
nome; e o do significado foi tal que, declarando-o o mesmo Deus, disse: Faciam te crescere vehementissime (Gên.
17, 6): Far-te-ei crescer veementissimamente. - Invente a gramática outros
termos maiores de se explicar, por que os superlativos já são curtos. Se os
aumentos que uma só letra do nome de Deus causou no nome de Abraão foram
veementíssimos aqueles com que todo o nome de Deus entrou no nome de Maria, e o
encheu Maria, Deus ex genero meo -
quais seriam? Reserve-o para si o mesmo Deus, que só ele o pode compreender.
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