A etimologia da palavra “Emboaba”
Procediam os
portugueses inversamente, abreviando, segundo o gênio do seu idioma, as
palavras longas dos índios. Temos exemplos nos nomes das plantas, dos animais e
dos lugares, quase os únicos que do vocabulário indígena passaram para o brasileiro.
Aqui damos um exemplo:
De bacobá (kir) ou pa cobá (guaro) fizeram os portugueses pacoba ou pacova (banana).
De porog, cuia ou cabaço vazio, fizeram porongo ou vurungo.
De irará (eira: mel, yard: colher) fizeram irara (o papa mel).
De guabirá, guabiró fizeram guabiroba, guavirova.
De pag fizeram paca.
De mandiog fizeram mandioca.
De bacobá (kir) ou pa cobá (guaro) fizeram os portugueses pacoba ou pacova (banana).
De porog, cuia ou cabaço vazio, fizeram porongo ou vurungo.
De irará (eira: mel, yard: colher) fizeram irara (o papa mel).
De guabirá, guabiró fizeram guabiroba, guavirova.
De pag fizeram paca.
De mandiog fizeram mandioca.
Goyó-covo (o rio Iguaçu), Goyó-en (o Uruguai), Guayra (o
celebre salto do Paraná, Urubupungá
(cachoeira notável do mesmo rio) Came
(nação), Paraná, Paranaguá se deviam
escrever Goyó-coro, Goyó-en, Guayrá, Urubupungá (e o
sr. Cândido Mendes escreve assim no seu Atlas,
e também o sr. Pompeu na sua Geographia),
Camé, Paráná, Paránaguá.
Entretanto no Paraná pronuncia-se Goyó-covo,
Goyó-en, Gudyra, Urubúpúngá, Cam.
Não é pois fora
do natural que de abomboaé fizessem
os portugueses abambode, abamboá (cabelo diferente).
De abamboá para mbamboá é facílima a passagem, atendendo à propriedade do b medial para atrair o m. Esta regra, mui conhecida nas línguas
americanas e africanas (assim como a do d
para atrair o n), corresponde à
análoga das línguas neolatinas, em que o m
tem a propriedade de atrair o b, e o n o d.
E a perda do a inicial é outro fato
geralmente conhecido.
Não há pois
dificuldade para converter abamboá em
mbamboá.
Mas, pela
mesma razão que do guarani guabirá, guabiró fizeram os portugueses guabiraba, guabiroba, fizeram de mbamboá,
mbamboaba, mbamboava.
Uma vez
nacionalizada a palavra, decorre naturalmente o boava, como hoje se diz em São Paulo e no Paraná.
O som nasal
de mb, nd, ng é de todas as línguas,
é da fonética geral do homem, e não somente das línguas americanas, como se
persuadiu o nosso sábio indianólogo Sr. Dr. Batista Caetano. Desde muito
haviam os linguistas reparado que nas línguas dravidianas, por exemplo, palavra
alguma começava por explosiva fraca, g,
d, b; e quanto às línguas africanas, mais ou menos conhecidas no Brasil,
lembraremos que no bunda ou angolano e no congo são tão comuns como no guarani
e no tupi os sons nasais de mb, ad, ng.
Chamaremos a memória do leitor para as palavras ngola (nação), nbonde (reino), ngana (senhor), ndendê (palmeira), mbunda (nação), mbdca (nação), marimbondo (inceto), ngunga (sino), macamba (gente do mesmo bando), mumbica (ruim), mandinga (remédio), samba (adoração a Deus),
muxinga (chicote), canga (emparelhar, jungir dois a dois), tanga
(saiote), cabungo (urinol), mucamba (criada), pango (uma erva
que se pita como o tabaco), banzé (súcia), zungu (barulho), candonga (mentira), cacunda (costas), candombe (dança), jongo (dança), quibando (peneira), mulambo (farrapos), catinga (mau cheiro), munjolo (máquina
de pisar grãos), marimbau ou mbirimbau (instrumento músico), fandango (dança), bumbo (tambor), quingombó (erva comestível), berinjela
(idem), cumbuca (cuia), maganga (chefe, principal), macazamba (torto, feio) e infinitas outras que ouvimos tantas vezes e vemos em Cannecattim.
Entretanto
as línguas neolatinas não admitem as nasais mb,
nd, ng, sem que sejam precedidas de vogal. E daí vem que daquelas palavras
africanas as que ficaram no brasileiro ou perderam a primeira consoante ou tomaram
vogal inicial: mbirimbau ficou berimbau, ou converteu-se em marimbau; ngana passou a angana; Ngola a Angola ; mbaca perdeu o m inicial e ficou baca; mbunda ficou ambunda e também bunda; nbonde passou a anbonde, e depois a bonde.
Finalmente a
troca do b pelo v, e vice-versa, é fato constante nos portugueses; e o venerável
Anchieta, exemplificando a mudança que fazem os galegos do b para o v, aponta a
palavra abá: “ut pro abá dizendo avá”.
Daí ambouba, mboaba, mboava, boava.
Foi esta última
forma, boava que ficou no Paraná e interior
de São Paulo, como alcunha dada não só aos portugueses, mas ainda aos filhos da
terra que, nos traços do rosto, na cor, no acento carregado da palavra, na quadratura
figura, no gesto bruto e pesado, se parecem com os incultos filhos de fora. “É um boava” dizem lá como nós aqui: “É um galego”.
Aforou-se o vocábulo
como próprio e exclusivo do dialeto brasileiro. No princípio abambaaéabá, amamboaé, mambode, ambode,
emboava, boava, uma delas era a voz com que o gentio do Brasil denotava a gente
estranha que, pela vez primeira, pisava as suas praias, invadia os seus campos,
rasgava os rios, embrenhava-se pelas florestas, devassava-lhe os segredos do
lar. Emboabas eram os paulistas, os
mineiros, os goianos, os cuiabanos, os portugueses de qualquer parte que
surgissem.
Do Oiapoque
ao Prata, do Oceano ao Paraguai há entre as diversas tribos uma palavra para
designar o inimigo, o invasor, a gente nova, o estranho, o filho de fora. Na
costa, em geral, entre os tupis o estrangeiro é o tapuia (aquele que não é tupi), isto é, o selvagem, contraposto ao índio civilizado, domesticado, índio
manso, índio tupi (tanto é certo que as ideias de paz e de ordem são, no
coração dos homens e dos povos, correlatas de civilização!)
No Maranhão
chamam-se os Caraús de cupés, os brancos, os que não são
bronzeados como eles, os diferentes, os outros, os estranhos.
Em Goiás apelidam
os Chambioás aos cristãos de turís.
Nas Missões
os brancos são caraíbas; e ainda hoje
no Paraguai o índio se orgulha chamando-se de abá (o homem por excelência), em contraposição ao caray (o estrangeiro), que ninguém sabe
donde vem, gente à toa.
Entre os
bugres de Guarapuava, os portugueses,
sinônimo de estrangeiros, são cuprís, isto é, os brancos, quase os cupés
dos Caraús, e um pouco dos turís dos Chambioás.
Os Caiuás,
dos aldeamentos à margem do Paranapanema, no Paraná, chamam os brancos de caraíbas, que cor- respondem aos caraíbas
dos guaranis paraguaios.
Note-se que caraíba quer dizer astucioso, manhoso, e se
aplicava especialmente ao feiticeiro, que tinha partes com o diabo. Y assi Io aplicaron a los Españoles, e muy
impropriamente al nombre cristiano, y a cosas benditas, y assi no usamos del en
estos sentidos — diz Montoya, queixoso de tanta irreverência; mas sem
razão, que os pobres dos selvagens a tinham às carradas.
Os franceses
são tapuy-tingas, tapuias brancos, tapuias
outros, inimigos de fora da terra, descendentes de outra raça que não a
americana.
Nos sertões
do Mucuri os brancos são os chretonhe,
kretonhe, cristãos, como os portugueses
se apelidavam, aparentando terem vindo à América com o pio fim de dilatar a fé
de Cristo.
Ainda hoje
os Caiuás tratam os estrangeiros de amôabá
(gente estranha, homem diferente).
Era, assim,
por esse tempo, emboaba voz exclusiva
do índio para apelidar o português; mas depois, tomada pelos invasores a posse
da terra, nacionalizados os portugueses em paulistas, mineiros, goianos, cuiabanos,
baianos, maranhenses, pernambucanos, eram eles, não mais os índios, os senhores da terra, e seus filhos os naturais dela. Emboabas, não, já não o eram: o emboaba
era o estrangeiro, e o estrangeiro, o não brasileiro, era o recém-chegado do
Reino.
Destarte
pouco a pouco foi a alcunha ficando só para os portugueses, cuja avidez dos bens do Brasil e sobranceria aos naturais
dele os fazia odiados de todos os moradores, fossem índios ou brasileiros. No
motim do rio das Mortes, território das Minas (1708), chamado a Guerra dos Embobas, o índio não apareceu:
brigaram os emboabas (ou os portugueses) com os paulistas (ou os brasileiros).
Esse ciúme
de nacionalidade perdurou até se consolidar a nossa independência política; e
são conhecidos os barulhos a que deu lugar no Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco,
Maranhão, Pará, em toda a parte.
O português, o pé de chumbo, o galego, o
mariola, o marinheiro, o lapuz (não
havia apelido ridículo que se lhe poupasse, e até lhe encurtavam o nome do país
e da pátria, chamando- de portuga!)
era, nada mais, nada menos, o emboaba
dos tempos coloniais: primeiro, o português que vexava o índio; depois, o português
que vexava o brasileiro.
Sem fazer
grande cabedal do modo da formação etimológica da palavra emboaba, venha de aba-mboaé-abá,
ou de amoabá, ou de amôaba, ou de amboaé-hab (particípio de aycó:
ser), o essencial de assentar é a
significação lexicográfica. Ora cremos ter tirado a limpo que emboaba nunca significou o calçudo, pernivestido, expressão de mofa ou desprezo; porém sim, e só,
sempre o estrangeiro, o homem de fora,
o inimigo oriundo de outra raça, o português, expressão de desconfiança a princípio,
de ódio depois, e ódio plenamente justificado para com as feras que Portugal
alijava aos montes nas praias da colônia.
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A. J. de Macedo Soares (Revista Brasileira, setembro de 1879 – Adaptação ortográfica: Iba Mendes)
A. J. de Macedo Soares (Revista Brasileira, setembro de 1879 – Adaptação ortográfica: Iba Mendes)
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