23 de nov. de 2016

A história da “rosa”

A Rainha

A história da rosa é tão longa quanto a história da própria humanidade.

Desde tempos remotos, o homem civilizado tem encontrado nela a sua mais fiel companheira e por isso mereceu dele, o cognome de "rainha das flores”, lugar hoje ocupado pela orquídea. Mas como  quem foi rei não perde a majestade, considerá-la-emos, ainda, como uma rainha entre todas as flores do mundo.

A rosa tem origem no planalto do Irã, na antiga Pérsia, e sua etimologia é repleta de simbolismo. Nos nomes "verad" (caldeu), "vard" (árabe), "varda" (armênio), "rhodson" (grego), "rosa" (latino) e "gul" (persa e turco) todos reconhecem a mesma raiz "vrdh', que quer dizer crescer. É, pois a rosa o símbolo do crescimento e da própria vida. Um símbolo que concretiza, o desejo civilizador da beleza, mostrando o progresso dos povos.

Originou-se na Média e na Pérsia o culto à rosa. É, também, naquela região que se encontrava uma das principais, senão a mais importante área de distribuição do gênero Rosa.

Depois as rosas tornaram-se conhecidas dos babilônicos, através dos médio-persas. Também os hebreus aprenderam dos babilônicos a amá-la e a cultuavam com tanto carinho que se tornou o símbolo da castidade da noiva israelita o "diadema de rosas".

Introduzindo-a na celebração de suas festas, os egípcios também cultuaram a rosa. Mais tarde a filha das montanhas da Irânia, desceu à planície grega, depois a Armênia, a Frígia, a Trácia, a Macedônia e finalmente a Hélade.

Segundo os escritos antigos, também a Síria remota teve, ligados ao da rosa, os seus dias de maior esplendor.

Entretanto foi na Itália que a cultura da rosa encontrou o mais avançado grau de perfeição.

Poetas e pintores, escritores e filósofos de todos os países, têm rendido as mais exaltadas homenagens à beleza e incomparável graça da "Rainha das Flores".

Parece-nos que, no vernáculo, pertencem ao mestre Eça de Queirós, as mais belas e eruditas páginas escritas sobre a rosa, não resistindo a trazer para aqui, algumas frases do grande escritor português tão estimado no Brasil, retiradas do livro "Notas Contemporâneas":

O culto na Grécia e na Itália punha o seu luxo na profusão das rosas. Rosas em torno às imagens e juncando as aras. Rosas coroando os Augures e pontífices. Rosas sobre o dorso e nas pontas das reses votivas. Rosas em festões, de coluna em coluna, rosando a palidez dos mármores.

Nas festas chamadas "Rosália", dedicadas a Vênus, nas calendas de maio, todas as cortesãs de Roma, envoltas em véus amarelos, numa procissão lasciva e devota, ao som lento das cítaras, iam levar à Grande Deusa, sua padroeira, as primeiras rosas do ano.

Era como a proclamação sacramental da primavera e do amor. Numa outra das lindas festas rurais da Itália, as de Déa-Dia, deusa da lavoura e dos campos, a confraria dos Freires Arvales ofertava, nos altares, pães cobertos com rosas, e depois da oblação, quando se dispersava, gritando a palavra de bom agouro "Feliciter! Feliciter!" ia atirando pelas ruas e sobre o povo, às mãos cheias, as rosas que o contato do altar tornara sagradas. Na primavera, todos os lares domésticos eram enfeitados com rosas. E não havia colono na terra pagã, que, ao primeiro bafo dos Zéfiros quentes, não pendurasse um ramo de rosas à entrada de sua cabana, ou no tronco rude do Deus dos Hortos, ou entre os cornos de Pan.

Pouco a pouco, como a filosofia vinha afirmando à alma do homem que ela é imortal, à maneira dos deuses — estas grinaldas e capelas de rosas, que se davam somente aos imortais, começaram a ser ofertadas aos homens, sobretudo às mulheres, pelo que nelas havia de divino. A rosa tornou-se em breve a flor oficial do amor. Era em forma de coroa que as rosas se depunham, no fresco alvor da madrugada, à porta da bem-amada, para lhe honrar e ornar a casa como um templo. A coroa de rosas recolhida significava da parte dela, um "sim" de doce promessa. As rosas deixadas fora desdenhosamente, a murchar ao pó e à chuva, exprimiam o amargo "não".

Tíbulo, numa das suas elegias, lança em rosto a uma insensível dama a imensa e dispendiosa quantidade de coroas que ele depusera em vão no limiar da sua morada. Esta amontoação de rosas desprezadas, apodrecendo à porta das matronas, chegou mesmo, no tempo em que se conservava nos lares romanos a tradição das Lucrécias e das Pórcias, a inquietar os edis, responsáveis pelo asseio das ruas: — e a virtude doméstica foi a desolação dos varredores urbanos, quase todos escravos asiáticos e (Ó humilhação) lusitanos! Depois com o declinar da República e dos costumes, todo o ramo de rosas depositado a uma porta.

Se a rosa estava assim associada ao cerimonial dos amores, não presidia menos profusamente à composição dos festins. O mundo antigo comia entre rosas. Coroas de rosas nas cabeças frisadas ou calvas dos convivas; cordões de rosas, a tiracolo, alegrando a túnica escura dos escravos; festões de rosas nos muros de mármore cor de rosa; rosas tapetando o chão; rosas alastrando a mesa; pétalas de rosas flutuando no vinho; chuva de rosas chovendo dos tetos dos velários, ao estridor das liras. Mesmo uma parca merenda no campo não se fazia sem luxo de rosas. O simples e honesto Horácio consente em que tudo falte na sua mesa rural, menos o aroma e brilho das rosas. “Sim, meu Dellius, canta ele, jantemos sobriamente, à sombra de um pinheiro, na relva bem verde, junto de um regato sussurrante, e que não haja senão um prato, e uma ânfora — mas braçadas de rosas".


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Adaptado de: Rossini Pinto: Vida Doméstica”, setembro de 1959.

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