O interessante texto a seguir,
fora extraído da revista “A Divulgação”, de sua edição de abril de 1954, de
autoria de Arion Dall'Igna Rodrigues, que aborda uma polêmica etimológica
envolvendo a origem do nome Curitiba. Vejamos...
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Curitiba: Tupi ou
Guarani?
É Curitiba nome de origem tupi ou guarani? Os autores que, até aqui, têm
apresentado a etimologia do nome de nossa Capital, não o indicam, como em geral
não fazem distinção entre nomes que provenham de um ou de outro desses idiomas indígenas.
Assim Teodoro Sampaio em "O Tupi na Geografia Nacional"; assim (para
citar um autor paranaense) Romário Martins em "Toponomástica Indígena do
Paraná" (Rev. do Círculo de Estudos Bandeirantes. I, 1, set. de 1934:
republicado em "Alba", set. de 1938, sob o título "Vozes Indígenas
na Toponímia do Paraná").
Antes de abordar o problema, é
necessário saber o que se entende por tupi e por guarani. Mesmo entre os
especialistas, nem sempre é feita a conveniente distinção entre esses termos.
Em se tratando de línguas, temos por mais acertado fazer uma delimitação no
espaço e no tempo, a fim de bem conceituar ambos os nomes. Por tupi designamos
a língua que, à época da descoberta do Brasil, era falada pelos índios
tupinambás (nome genérico para os tupinambás propriamente ditos, os tamoios, os
tobajaras, etc.), que ocupavam o litoral entre Cananeia e o Maranhão, e a qual
ficou sendo conhecida dos portugueses como "língua geral" ou língua brasílica";
por guarani indicamos o idioma falado pelos índios guaranis carijós, etc.), que
habitavam ao sul de Cananeia, estendendo-se para o oeste até o Paraguai e para
o sul até o Uruguai. E distinguimos, quanto ao tempo, — tupi antigo e guarani
antigo, esse tupi e esse guarani respectivamente — do tupi moderno ou
nheengatu, falado ainda hoje na Amazônia (particularmente no Rio Negro) e do
guarani moderno ou avanheém, usado atualmente pela população rural do Paraguai
e de algumas províncias argentinas.
A diferença entre o tupi e o
guarani antigos não é muito grande; era possível, mesmo, a intercompreensão dos
indivíduos que falavam uma e outra língua. Se bem que se manifeste também no
vocabulário e na morfologia, a diferença é principalmente fonética, isto é, de
pronúncia. A s tupi corresponde h em guarani: tupi só (ir), guarani hó;
tupi seté (corpo dele) guarani heté; a pw tupi corresponde kw em
guarani; tupi pwã (dedo da mão),
guarani kwã; tupi pwerab (sarar), guarani kwerá; a k tupi corresponde g guarani:
tupi kutuk (ferir), guarani kutug; tupi mondok (cortar), guarani mondog,
etc. Justamente por ser pequena a diferença entre as duas línguas, torna-se difícil,
às vezes, saber se um nome provém de uma ou de outra, pois seria idêntico em
ambas. Quando se trata de topónimos, porém, o conhecimento da área de
distribuição geográfica de cada idioma remove, ao menos em parte, essa
dificuldade. Sabendo-se que o Paraná esteve compreendido dentro da área guarani
— e não tupi — a origem de seus nomes deve ser procurada no guarani e não no
tupi (não se está considerando, é claro, o caso de nomes provenientes de línguas
indígenas não pertencentes à família tupi-guarani, como o caingangue).
Para o nome Curitiba, entretanto, não só a região
em que ocorre indica ser oriundo do guarani. O estudo do seu étimo confirma que
é palavra proveniente dessa língua e que não pode ser interpretada como tupi. O
étimo evidente de Curitiba é kurity'ba, palavra do guarani antigo
que significa pinheiral, derivada
que é do nome kuri, que ocorre na forma
de kuriy, registrada no século XVII
pelo padre Montoya, e que propriamente significa "árvore kuri", termo com que era designado
o pinheiro; o segundo elemento — ty'ba
— é sufixo abundancial, neste caso equivalente ao sufixo português — al. Mas, enquanto o guarani antigo
possui um nome especial para o pinheiro, dá-se também que o tupi antigo não
apresenta nenhuma denominação própria para essa árvore. O maior e mais antigo
dicionário do tupi antigo até hoje publicado, o "Vocabulário na Língua Brasílica",
de autor anônimo, registra, para traduzir o português "pinhão" e "pinheiro",
respectivamente pina e pinay'ba. Esta última palavra formada
de pina, evidente portuguesismo, e y'ba (árvore): árvore do pinhão. Ora, se o tupi teve de emprestar do português o
nome de pinhão (pina), é óbvio que
não possuía termo próprio para designar a planta, o que, aliás, é muito
natural, pois a Araucária brasiliensis tem seu habitat limitado ao sul,
coincidindo aproximadamente com o domínio guarani, e é desconhecida para o
norte, onde se falava o tupi.
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